Um dia, olhei pra dentro de mim
com a ajuda de um retrovisor quebrado
e disse: sou poeta.
Eu tinha onze e já sabia que ser poeta
não era rimar os dedos com os medos.
Quando eu lia o presente dele,
eu não tecia imagens
como nas narrativas que me diziam excitantes.
Eu não queria ir ao centro da Terra
ou a uma fossa oceânica,
quando eu corria pra algaroba velha.
Eu queria mesmo
era ver o quintal amarelado das cinco horas,
os vôos razantes dos morcegos invisíveis,
o burburinho dos pardais se aninhando,
as gias depois da chuva
ou os marrecos partindo...
Eles berram,
ainda que finjam sussurros,
são gritos o que ouço dessas estrofes
e eu sei que caibo lá,
nem que eu viva sem querer entendê-las.
Sinto-me a minha ouvinte-leitora,
não careço de escrever-me a mim,
bastou-me a descoberta do espelhinho,
basta-se a minha minha cara de desconsolo
com a pobreza dos meus versos
e a vastidão deste meu corredor helênico,
de imensas colunas em fila,
a minha única avenida,
minha alameda de concreto,
saudosa de verde,
encerrada no meu muro marfim-secreto.
*Imagem de Márcio Martins