sábado, 23 de abril de 2011

Seria o poema 1253

(a Álvaro de Campos)


Um dia, olhei pra dentro de mim
com a ajuda de um retrovisor quebrado
e disse: sou poeta.
Eu tinha onze e já sabia que ser poeta
não era rimar os dedos com os medos.
Quando eu lia o presente dele,
eu não tecia imagens
como nas narrativas que me diziam excitantes.
Eu não queria ir ao centro da Terra
ou a uma fossa oceânica,
quando eu corria pra algaroba velha.
Eu queria mesmo
era ver o quintal amarelado das cinco horas,
os vôos razantes dos morcegos invisíveis,
o burburinho dos pardais se aninhando,
as gias depois da chuva
ou os marrecos partindo...
Eles berram,
ainda que finjam sussurros,
são gritos o que ouço dessas estrofes
e eu sei que caibo lá,
nem que eu viva sem querer entendê-las.
Sinto-me a minha ouvinte-leitora,
não careço de escrever-me a mim,
bastou-me a descoberta do espelhinho,
basta-se a minha minha cara de desconsolo
com a pobreza dos meus versos
e a vastidão deste meu corredor helênico,
de imensas colunas em fila,
a minha única avenida,
minha alameda de concreto,
saudosa de verde,
encerrada no meu muro marfim-secreto.


*Imagem de Márcio Martins

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Cortava os cabelos com frequência, no desejo de mudar... e mudava mesmo, nunca precisou pensar em cortar os pulsos.. 

#ETC

 

 

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

trecho (Pluma de Chumbo)


Eu não fui menos insolente, eu desobedeci, eu me inventei e te inventei,
Tudo invenção das minhas paredes movediças. Tudo armação do meu orgulho.
Tudo calor de iceberg, tudo, tudo, tudo.





Oculares


mas nem sei me perder,
sempre haverá algum
com um globo ocular lubrificado
para me reter, desfocado,
- mais gordo e mais estofado no centro -


quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Chorona

Debaixo da mangueira
Brinca de cativa,
Distâncias medidas, quase,
Madeira sustenta, agüenta,
Chinelo longe desencontra,
Trágico e elástico,
De pai à mãe, um pulo.
Sereno é bom, espera,
Beira-janela,
Beiço-dor,
Guarda-sangue,
Quente-contido,
Qualquer que seja rubor,
Qualquer melanina, melina,
Vinda de fundo e longe,
Saia.
Tarde finda,
Finca os dedos no cabelo,
Atrás da orelha,
Frio bom,
Rede vai,
Vem quando pão,
Molha pontinha,
Café com leite,
Chuvisco,
Telhado, quantos cômodos, quanto tempo,
Colcha arrumada, canto quente-só,
Corrida-vida,
Varrer-vingar,
Varrer-suar,
Raspa-ferida.


segunda-feira, 26 de julho de 2010

Onde

De uns dias pra cá,
tenho me perfumado,
antes de dormir,
antevendo, talvez,
num sonho louco
te deparar em mim.
E por trás de nós,
pingando um chorinho ansioso,
tudo melodicamente impresso
num instante,
ali,
sem mais prazos.
Se quiseres,
é na hora.
E pula o minuto,
suspiro imprevisto...
e já sinto tua ausência,
a começar pelos pés.
E a retina vaga
flutua, antiga,
na posição em que deverias estar.